segunda-feira, 18 de março de 2013

A Entronização do Papa


O Arcebispo de Buenos Aires  foi escolhido recentemente como o novo Papa e assumiu o nome de um dos homens do Cristianismo que mais marcou a Igreja: Francisco de Assis, conhecido pelo seu amor aos pobres e pela defesa do regresso da Igreja aos princípios basilares e mais puros do Evangelho.

O actual Papa, querendo ser consequente com a escolha do nome, quis dar mostras de ser um homem de trato fácil e de querer simplificar parte do protocolo romano.

Nesse espírito, causa-me um certo desconforto ao ouvir falar repetidamente da cerimónia de entronização. O que se deve entender por entronização? A entronização é o acto de literalmente colocar algo ou alguém num trono. Leva o significado de elevar alguém a uma dignidade especial muito acima do vulgo e de colocá-lo num lugar de proeminência e de liderança. É nesse espírito que todos os monarcas, aquando da sua investidura como chefes de Estado, são sentados no seu trono e são, portanto, entronizados. A partir desse momento o entronizado dispõe de toda a autoridade para ditar aos seus súbditos as orientações que pretende ver implementadas no seu Reino.

À semelhança dos monarcas, em várias Igrejas católicas (como a Romana e a Anglicana) os bispos são também entronizados ao serem instalados na sede ou cadeira episcopal que se vem a chamar "trono". Esta cerimónia não deixa de ser os ecos medievais em que os bispos, para além de senhores espirituais e representantes do Senhor dos senhores, eram também senhores temporais sendo proprietários de vastas terras e beneficiando materialmente dos impostos feudais lançados sobre aqueles que viviam nos seus domínios. Esta coexistência, ou dito de forma mais incisiva, esta promiscuidade que se manteve durante vários séculos resultou da contaminação a que se sujeitou a Igreja latina ao lidar e absorver os tiques do Império Romano. Esboroando-se o Império, a Igreja herdou o pior que aquele tinha como sejam a pompa, as vestes sumptuosas, a riqueza e o controle férreo e severo dos seus súbditos. A Igreja abdicou da sua pureza pristina e prostituiu-se nas coisas profanas ao embriagar-se de poder. A Igreja colocou de lado o poder do exemplo e tomou para si o exemplo do poder.

Nos tempos hodiernos, graças à perda de legitimidade moral do Cristianismo no seu todo e à crescente secularização da Sociedade, o domínio da Igreja é muito menor, faz-se de forma mais subtil e é sujeito a um escrutínio muito mais exigente. A Sociedade (em certa medida) assimilou os princípios morais defendidos pelo Cristianismo e, vendo a contradição entre prédica e prática, exige deste mais coerência e aponta-lhe faltas como os excessos de riqueza, os crimes de natureza sexual e um certo passadismo.

E que nos diz a Bíblia Sagrada relativamente a tronos? Os Tronos são entidades espirituais angelicais situadas entre a terra e Deus. Apesar de angelicais, não significa que necessariamente estejam ao serviço de YHWH. Podem até ser a contraparte que se coloca ao serviço de Satã, do Inimigo de Deus e dos homens Seus filhos. Mas os Tronos são entidades espirituais criadas por Deus que envergam esse nome por reflectirem o poder e a autoridade do Senhor supremo que, por ser Rei, se senta imageticamente num trono. O Antigo Testamento está cheio de visões proféticas em que Deus é visto ocupando um trono. Daqui vemos que qualquer trono e qualquer autoridade exercida de um trono apenas têm sentido se referidos ao trono onde Deus se senta e de onde emana os Seus ditames. Nenhum trono tem autoridade por si e qualquer poder de que disponha é por delegação (ou por usurpação) e nunca por direito próprio. Deus é muito duro e zeloso relativamente à glória e exaltação que Lhe é devida. Diz Ele em Isaías 42,8: "Eu sou o Senhor [YHWH], este é o Meu Nome. A ninguém cedo a Minha glória nem aos ídolos a honra que Me é devida." É também muito claro quando, pela boca de Jesus, diz que "quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado" (Mateus 23,12). E, no mesmo sentido, referindo-se a Cristo e à obra redentora realizada por Este, diz João no seu Apocalipse que viu "um trono no céu e sobre o trono havia alguém sentado (...) E sempre que os seres viventes dão glória, honra e acção de graças ao que está sentado no trono e que vive pelos séculos dos séculos, os vinte e quatro anciãos prostram-se diante do que está sentado no trono e adoram ao que vive para sempre." (Ap 4,2.9-10). Portanto é o Cordeiro, o Cristo que é (re)colocado no trono após ter consumado a obra de redenção do homem.

É bom lembrar que Cristo disse que veio "não para ser servido mas para servir" e que, sendo Ele Senhor e Mestre, pedia aos Seus discípulos que mostrassem o seu carácter de seguidores do Messias sendo também servidores. Como se entende então que o mandato de Cristo seja cumprido se os homens, em vez de assumirem o seu carácter de servidores, assumem um papel de senhores, se em vez de manifestarem a mesma humildade que o Mestre demonstrou, manifestam uma riqueza mundana e um assumir de títulos que Cristo rejeitou aquando da Sua passagem pela terra? O Mestre e Salvador não tinha onde reclinar a Sua cabeça. Porque será que aquele que se diz Seu substituto (vigário), um servo, se senta num trono onde abunda o ouro e a ostentação? A Sociedade de hoje, tão falta de referências, necessita de símbolos, necessita de focos aglutinadores e mobilizadores. Mas que esta e, mais do que esta, também a Igreja se projecte e coloque a sua esperança não num mero homem sujeito a falhar como qualquer outro mas no Homem-Deus, o Cristo exaltado por Deus e que está sentado no verdadeiro e eterno trono.

Em conclusão, porque não chamar ao acto de investir publicamente um bispo ou um papa simplesmente "instalação" ou "colação" e reservar para Deus o papel exclusivo de soberano e de bondoso e supremo juiz? Assim teríamos uma Igreja mais perto do pescador de Deus do que do Imperador César.

sábado, 16 de março de 2013

O Papa Francisco: Ventos de Mudança no Vaticano?

Nestes últimos dias tenho-me mantido distanciado mas não indiferente ao turbilhão de notícias, comentários, interpretações e opiniões sobre a eleição do Arcebispo de Buenos Aires como Papa. Na posição de espectador mas não expectante, no papel de observador mas não observante de Roma e dos seus ditames, vou analisando e vou construindo a minha opinião sobre o homem que ocupa a cátedra de São Pedro. Perante o que tenho visto, penso já poder formar um juízo sem querer ser julgador.

Creio sinceramente na bondade das pessoas, até prova em contrário e até que cada pessoa em concreto me vá demonstrando na prática não ser merecedora da minha confiança. Dou sempre o benefício da dúvida e faço constantemente o exercício de querer ver no outro a centelha divina que me anima a mim e a cada Filho de Deus. O mesmo já não digo em relação às instituições e organizações que muitas das vezes demonstram ser mais instrumento do Inimigo do que propriamente do Espírito Santo. Já fui mais ingénuo e tendo a pensar que dificilmente se reforma ou se transforma uma instituição sem que os agentes de reforma sem esmagados por ela ou tenham que decidir sair fora da mesma por chegarem à conclusão que os seus esforços são infrutíferos. Ainda assim, como diz a Bíblia, "tudo é possível para aquele que crê" e "nada é impossível para Deus."

Olhando para o Papa Francisco vejo sinais encorajadores e diviso uma pessoa que parece querer implementar algumas mudanças no sistema vaticanista. O que me leva a pensar isto? O Papa é uma pessoa sorridente, simpática e afável que me recorda João XXIII e João Paulo I. O Papa Francisco parece querer pensar pela sua própria cabeça e quer ser ele a definir o protocolo. Sinais disto são o facto de não ter sido visto com a mozzetta vermelha papal e a sua facilidade em falar espontaneamente com o seu povo, como se estivesse à mesa com todos os presentes na Praça de São Pedro, e de, por momentos, parecer esquecer-se do tempo. Talvez tenha pensado mal mas pareceu-me que a dado momento alguns dos cardeais que o acompanharam à varanda temeram que o Papa se mostrasse inconveniente falando demais. Um Papa muito solto parece ser um problema para quem vive obcecado pelo protocolo...

Facto extraordinário e de profundo significado foi o pedido que o Papa fez ao povo para rezar por ele antes que ele rezasse pelo povo. O que demonstra isto? Humildade, certamente, mas também o reconhecer implícito que ele está ali para servir e não para ser servido e que é no povo, na Igreja no seu todo que ele vai buscar a sua legitimidade e autoridade e não apenas no colégio cardinalício. Quererá o Papa que os leigos venham a ter um papel decisivo na eleição do Bispo de Roma?

Outro sinal importante foi o beijar das mãos dos cardeais dos países onde os cristãos mais são perseguidos. Mais uma vez um sinal de humildade e de alguém que não se coloca acima dos restantes mas que se reconhece como servidor e como estando ao nível dos outros bispos.

Este Papa é mais sóbrio e vive mais o espírito franciscano de pobreza ao prescindir (até ver) da referida mozzetta, ao envergar uma cruz peitoral simples, ao não calçar os sapatos vermelhos de pontífice e ao viajar de autocarro com os seus colegas cardeais depois da eleição (mesmo tendo um carro à sua disposição).

Mas há também um passado que parece querer persegui-lo e que, veremos, se ensombra ou não o seu pontificado. Refiro-me ao seu silêncio e papel passivo aquando da cruel ditadura militar argentina face aos atropelos aos direitos humanos e às centenas de pessoas opositoras ao regime que foram mortas. No que concerne aos tradicionais temas polémicos da homossexualidade, aborto e ao papel das mulheres na Igreja, pelo que tem sido a sua linha, não espero nenhum tipo de mudança. A ser mudada alguma coisa, mas duvido que tal possa acontecer pelas implicações culturais e financeiras que poderiam advir, seria a abolição do celibato obrigatório para os sacerdotes. Terá o Papa interesse nisto? E tendo, terá força para levar avante tal medida? Por menos houve um Papa que permaneceu no seu lugar apenas 33 dias...

Que ventos sopram do Vaticano? Será o Papa Francisco apenas mais um Papa simpático mas inconsequente que fará as delícias do merchandising religioso ou será um dos poucos que deixará uma marca reformista e indelével na Igreja de Roma fazendo-a voltar-se mais para os princípios puros do Evangelho de Cristo? Será ele mais uma figura decorativa ou será alguém que enfrentará os sinistros poderes instalados da cúria? Que o Espírito Santo oriente e auxilie este homem neste pesadíssimo ministério. Que o Espírito Santo derrame sobre o Papa o mesmo espírito que animou Francisco de Assis e que o fez regressar às coisas simples e a fomentar a fraternidade universal.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Sede Vacante


 Sede vacanteé a designação que se dá ao período em que uma Igreja se encontra sem bispo desde a resignação, morte ou outro impedimento do bispo titular até à escolha e condução de um sucessor. Nos dias que correm este termo é naturalmente associado à vacatura actualmente existente na Igreja Romana devido à resignação do seu líder, o Papa Bento XVI. 

Nas últimas vinte décadas, no que respeita a Roma, o período de sede vacante tem durado em média 20 dias. Mas houve já épocas em que o interregno durou mais de seis meses (entre 1799 e 1800) e chegou mesmo a ultrapassar os três anos (desde 20 de Abril de 1314 com a morte de Clemente V até 8 de Setembro de 1316 com a coroação de João XXII) numa época em que o Papado tinha trocado as intrigas e a insegurança de Roma pela pacata cidade de Avignon.

Ninguém obviamente sabe quanto tempo demorará o Colégio de Cardeiais a eleger um novo líder para os cristãos romanos, ainda que muitos desejem que o processo esteja concluído antes da Páscoa para que a Igreja deixe se apresentar ao mundo como orfã e possa celebrar em plena força a ressurreição de Cristo. Mas, e se a sede se mantiver vacante para além daquilo que possa ser desejável (para os católicos romanos) ou recomendável?

Refeitos da surpresa e do choque resultantes do anúncio de Bento XVI, penso que se pode retirar uma conclusão determinante e ainda mais chocante do que a resignção. Pensemos no seguinte: desde que a renúncia se tornou efectiva a Igreja romana continuou a vida normal, os sacerdotes continuaram a celebrar a Eucaristia, os seus ministros continuaram a baptizar crianças, os noivos continuaram a ser casados e os bispos continuaram a presidir ao Crisma e a realizar ordenações de novos ministros para servirem na Igreja. Neste momento os Cadeais dão despecho aos assuntos de gestão corrente da Igreja para que se continue o business as usual. Com isto se conclui que a vida da Igreja não assenta num único homem nem no seu ministério mas na plenitude dos seus membros, sejam eles clérigos ou leigos e que são estes que detêm efectivamente o poder de escolher o seu líder. Para corroborar o meu raciocínio, que diremos então da situação que já se viveu antes e que provavelmente será vivida ainda durante alguns anos (assim Deus o permita) desde a eleição do novo Papa e até à morte de Bento XVI? Se o Papa é o sucessor de Pedro e o vigário de Cristo, na prática teremos dois sucessores de Pedro e dois vigários de Cristo. Haverá uma sobreposição de papeis e de figuras. Ficará a Igreja vaticana a sofrer de bipolaridade? O Espírito Santo que supostamente passou a ungir e a dirigir Bento XVI por ser o porta-voz de Cristo ficará confuso e hesitante entre continuar com o antigo Papa e descer sobre o novo? Claro que Bento XVI irá assumir um papel de extrema discrição e, a querer continuar a exercer a sua influência, fá-lo-á na sombra. Claro que Deus é soberano e será Ele a decidir o que fazer aquando da eleição do novo Papa, se estiver efectivamente interessado neste processo que obedece mais a interesses políticos e económicos do que a interesses estritamente espirituais.

Assim, por muito absurdo que possa parecer esta minha questão retórica, se a Igreja (romana) sobrevive e se mantém por largos períodos sem Papa e da mesma forma se mantém quando existe mais do que um (porque até já existiram três), para que servirá o Papa? É indispensável a sua existência? É fundamental para que, afirmando-se como Igreja de Cristo (ou pelo menos como um dos seus troncos), se mantenha? Necessariamente se conclui que não. O Papa, mais do que o papel de um super-bispo ou de um ser-humano  a roçar (para os mais incautos) o estatuto de semi-deus que de vez em quando passa por ser o pretenso e quase exclusivo difusor da vox Domini, é pouco mais do que o foco de unidade de uma grande comunhão de fieis. O Papa é representante de Cristo, sim, tal como cada bispo, sacerdote, diácono e o crente anónimo são-no também quando se deixam possuir por esta força e esta Pessoa maravilhosa e que transcende tradições, organizações e estatutos religiosos que é o Senhor e Deus Paráclito, o Espírito Santo. Será falta de respeito dizer que a diferença entre um Papa e o mais humilde dos servos de Deus são os paramentos? Será heresia dizer que aquele que se senta na cátedra de Pedro é tão digno de ser venerado e das suas mãos serem beijadas como digno é ser venerado o crente andrajoso que reparte das suas mãos sujas o pouco que tem com aqueles que ainda têm menos? Onde estará aqui o verdadeiro vigário de Cristo?

A Igreja, se quer viver radicalmente o facto de ser o Corpo e a Noiva de Cristo e quiser focar-se apenas num homem, deve colocar os seus olhos no Homem por excelência que é Jesus Cristo. Se a Igreja quer relebrar as suas fundações, deve olhar para o fundamento dos Apóstolos no seu conjunto e não apenas num único Apóstolo como se este pudesse ser o detentor exclusivo da autoridade e da verdade. Terá muito a Igreja a ganhar se cada vez mais reabilitar aquilo que a veio a ser chamado como Conciliarismo em vez de um governo plenipotenciário assente sobre um indivíduo alheio a qualquer escrutínio. Deve a Igreja ser edificada não num mero humano mas na doutrina divina enunciada por Pedro que afirma que Jesus é "o Cristo, o Filho do Deus vivo." Esta é a rocha sobre a qual a Igreja foi edificada. E contra esta doutrina, contra esta rocha "as portas do inferno nada poderão."

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A Barca de Pedro a Meter Água


Como cidadão do mundo e como pessoa interessada no fenómeno religioso em geral acompanho com curiosidade o desenrolar dos acontecimentos na Igreja Romana. Não é desde agora que o faço. Desde que descobri em mim, enquanto criança, a fé que Deus colocou no meu coração que sigo com atenção o que se vai passando para os lados do Vaticano, por muitos anos lá "dentro" e desde há muitos também do lado de "fora" por decisão consciente, amadurecida e dolorosa. Portanto, não é de agora que lanço o meu olhar crítico sobre aquela que se reclama ser a Igreja assente no trono de São Pedro. Aprendi a apreciar as suas virtudes e a censurar (do meu ponto de vista) as suas falhas. Dois livros, para além da própria Bíblia, contribuíram para deitar abaixo o ídolo com pés de barro que albergava na minha mente: Papas Perversos, de E. R. Chamberlin e Em Nome de Deus, de David Yallop. O primeiro trata obviamente de deprimentes, imorais e até mórbidos detalhes históricos que marcaram o Papado ao longo dos séculos. O segundo analisa com detalhe e com dados históricos recentes, que envergonhariam qualquer um, as circunstâncias e os motivos que estiveram por trás da morte de um Papa verdadeiramente revolucionário e decidido a reformar a Igreja: Albino Luciano ou João Paulo I. Nestes livros podem encontrar-se todos os ingredientes indispensáveis para um bom thriller: luta pelo poder, dinheiro, corrupção, máfia, maçonaria, sexo e assassinatos encomendados. Perante este quadro, desiludido com a gritante discrepância entre a mensagem do Cristo e a prática da Igreja, por me sentir impotente para mudar o sistema, por querer continuar a ser o melhor católico possível, por não querer continuar a pecar por associação com a treva romana, decidi abandonar aquela que se assume como a barca de Pedro mas que navega longe dos princípios enunciados pelo pescador de homens.


Os recentes ecos de Roma, apesar de preocupantes e chocantes, infelizmente não são inéditos e surgem na sequência de práticas e comportamentos que desde há várias décadas têm marcado a Igreja Católica Romana. Pedofilia, homossexualidade, extorsão, lobbies e outros fenómenos que tais estão agora “na moda” mas sempre permearam uma das mais velhas organizações do mundo. Ainda assim, o cristão e o cidadão consciente não podem deixar de lamentar tudo o que ultimamente tem vertido da Cidade que de celestial já só tem o nome: a incapacidade do Papa de erradicar os males que minam a Igreja e que o levam a renunciar, o chamamento à Cúria do mais provável sucessor do Patriarca de Lisboa após denúncias feitas por um colega, os casos mal escondidos de homossexualidade e de abuso de poder do clero de Lisboa, a renúncia do Primaz e Cardeal católico da Escócia por ter sido acusado de comportamento sexual indigno, o lobby gay, etc. Por tudo isto se vê que a barca de São Pedro está a meter água e que a sua capacidade de chegar a bom porto está comprometida.


Na Igreja Romana, à semelhança de qualquer outra organização onde domine o ego humano, conheci o que há de mais repulsivo e o que há de mais nobre nas criaturas de Deus. Nela ouvi falar pela primeira vez do Evangelho de Cristo e fui iniciado na Fé e enxertado na família dos Filhos de Deus. Nela também conheci lobos que se disfarçavam de ovelhas e ovelhas a converterem-se em lobos, corrompidas por um sistema que, em vez de libertar, agrilhoa. Nela conheci exemplos vivos de santidade e de entrega a Deus e nela enfrentei pessoas que, sem qualquer dúvida, foram instrumentos do Maligno. Nela encontrei muitos fariseus e alguns bons samaritanos. Nela encontro ainda amigos e crentes genuinamente empenhados em viver a sua fé em Cristo e não numa instituição. Perante tudo o que já mencionei pergunto-me como poderá ainda haver pessoas inteligentes e íntegras que queiram permanecer ligadas a um organismo parasitado irremediavelmente pelo Inimigo? Como poderá haver alguém que queira compactuar com algo moribundo, passadista e que se nutre da boa-vontade dos crentes como um cancro se alimenta de um corpo vivo? Não deixam de ressoar com muita força as palavras duríssimas de Cristo em relação aos falsos religiosos:

Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato, quando por dentro estão cheios de rapina e de iniquidade! Fariseu cego! Limpa antes o interior do copo, para que o exterior também fique limpo. Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque sois semelhantes a sepulcros caiados: formosos por fora, mas, por dentro, cheios de ossos de mortos e de toda a espécie de imundície! Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos outros, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade. Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que edificais sepulcros aos profetas e adornais os túmulos dos justos, dizendo: ‘Se tivéssemos vivido no tempo dos nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos profetas!’ Deste modo, confessais que sois filhos dos que assassinaram os profetas. Acabai, então, de encher a medida dos vossos pais! Serpentes! Raça de víboras! Como podereis fugir à condenação da Geena?Mateus 23,25-33








quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A Sociedade Aguenta?

Sua Eminência Reverendíssima, o Senhor Cardeal-patriarca Dom José Policarpo, figura mais conhecida da Igreja romana em Portugal, concedeu uma entrevista à RTP na qual disse, citando o DN, que "A sociedade aguenta tudo. Esperamos que as linhas de conduta sejam realistas, mas prudentes. Não se deve usar o poder para fazer aquilo que não é preciso ser feito". Mais à frente disse também que seria necessária uma "revolução cultural" para melhorar a sociedade.

Para aqueles que possam estar mais desatentos, o que este Eminente homem disse, não por palavras mas no seu inconsciente, é que ele espera que os portugueses e os restantes povos sujeitos à ditadura da austeridade e ao império da alta finança e dos interesses económicos continuem a aguentar para que o statu quo se mantenha. Para quê? Para que os diversos e obscuros interesses da Igreja não sejam postos em causa e tudo continue exactamente como até agora, num passivismo cinzento e num carneirismo apático que não questiona, não reivindica nem se insurge com toda a força contra a opressão. A Igreja de Roma, seja em Portugal, seja no Vaticano, é aliada dessa mesma opressão e fará tudo o que estiver ao seu alcance para que o seu lugar à mesa dos poderosos não seja questionado.

Mais adiante na entrevista diz que a Igreja "tem de estar presente, atenta a quem sofre", oferecendo "amor, verdade e fé." São belas palavras, capazes de albergar em si todo o Universo, mas que na prática não se consubstanciam nem trazem nada de concreto a aqueles que sofrem. Palavras tão belas quanto vazias de sentido, palavras tão belas quanto desprovidas de acção libertadora. É certo que a Igreja de Roma em Portugal, através das diversas instituições que patrocina e inspira, é o maior prestador de cuidados sociais à população e que, por ela, muita fome e miséria é mitigada. Mas até que ponto está a Igreja interessada em adoptar uma atitude de ruptura, de denúncia e de confronto com os poderes instituídos? Não está de modo nenhum. Até que ponto é conveniente que a Igreja eduque e forme crentes conscientes de todo o seu potencial libertário, crentes que encarnam a frase do Verbo feito homem: "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará"? A prática assistencialista da Igreja minora o sofrimento mas não contribui para a sua erradicação. O discurso de que "a sociedade aguenta tudo" vem na mesma linha da expressão infeliz do Senhor Ulrich do "aguenta, ai aguenta". Parece que o Senhor Patriarca e o Sumo Pontífice da Igreja de Mamon do BPI frequentaram a mesma escola e que, portanto adoram, prestam culto e vassalagem ao mesmo deus (mesmo que digam que este tem nomes diferentes). 

 Portanto, aquilo que a Igreja Romana faz é colocar-se ao lado dos lobos em vez de se colocar ao lado das ovelhas que, uma a uma, vão sendo levadas ao matadouro. A Igreja anestesia os seus fieis com o ópio da esperança para que estes não se insurjam de forma incontrolável contra este sistema satânico e alienante que pretende transformar cada filho e filha de Deus num pião e num objecto.